A Visita – ou de como se sai da graça e se alcança o inferno

O homem sai debaixo da minha cama às 4:30 da manhã e me acorda
“Eu lavarei sua alma e te levarei pra caminhar sobre a água”
Eu digo que não quero, tenho medo d’água e não sei mais nadar.... desaprendi
Ele, com uma voz carregada de doçura e um sorriso quase maternal, me explica que de nada adianta ter aprendido e não praticar...
Expliquei a ele que a água me machuca...
Os cortes em mim ficam sempre muito mais profundos
Mas minhas feridas não sangram, nunca
O sangue é quente e vivo demais pra se perder por causa de uns poucos cortes, ele me diz
Ele me lembrou que eu havia plantado sementes podres em uma terra de felicidade
E me assegurou que elas vingarão em árvores más
Me falou também sobre as mentes guiadas, e os olhos que nunca verão
Que nunca verão as árvores más, queimando suas folhas sob o sol do verão
Mas eu não quero me preocupar com isso tudo, não agora
E eu disse que não preciso de seus feitiços ou dos pequenos jogos em que ele tenta me colocar
Ele se ofendeu, obviamente
E eu não pedi desculpas.... não... dessa vez eu não quis me desculpar...
Ele se lamentou por eu não aceitar sua ajuda...
Disse que o inferno é uma escolha que nós fazemos pra nós
Eu disse que não me importo, pois sei que o inferno só existe pra quem não é de lá...

Acredito eu que ele não aparecerá tão cedo